sábado, 16 de agosto de 2008

O SEGUNDO FÔLEGO DE TRÓIA

DN, 16.08.2008

Um verdadeiro estaleiro. É nisto que está transformada a península de Tróia, a três semanas da abertura da primeira fase do complexo, agendada para 8 de Setembro. Três anos depois da implosão das torres, o DN foi ouvir as expectativas e aspirações de quem lá vive, passa férias e trabalha. E saber o que pensa quem viu este projecto inovador nascer, florescer, definhar e renascer das cinzas pela mão da Sonae. Os tempos áureos deixam saudades, mas não há quem acredite num regresso ao passado. O futuro divide opiniões. Há crentes, descrentes. Acima de tudo, muitos expectantes
Quando o Pato Real atracar em Setúbal, ao final do dia, José Soares não trará navalhas para o jantar, como antigamente. Nem o regalo de uns mergulhos bem dados na piscina da Torralta. Apenas o bronze que diz só Tróia oferecer e o consolo de um dia passado em família na que considera ser a melhor praia do País. Dos tempos áureos de Tróia, vividos há quase 30 anos, restam-lhe hoje as memórias de infância marcadas pelo overcraft, o minigolfe e os petiscos colhidos na praia. Do que nesta manhã nublada vê erguer-se velozmente na península, pela mão do gigante Sonae, fica a confiança no projecto que trará turismo, emprego e o tão ansiado desenvolvimento à região.

"Apanhei o auge de Tróia, quando o meu pai era chefe de cozinha do Bico das Lulas e se serviam 1500 almoços por dia. Depois veio a fase negra, o mato cresceu e as infra-estruturas degradaram-se. Agora acredito que todo o País vai beneficiar com este investimento", afirma este habitante de Setúbal, de 36 anos, a bordo do novo ferrie que faz a travessia do Sado.

As opiniões sobre o futuro de Tróia dividem- -se e fazem-se acompanhar dos mais variados sentimentos, que vão do optimismo à indignação. A três semanas da inauguração da primeira fa- se do projecto - duas das antigas torres da Torralta e alguns apartamentos abrem a 8 de Setembro -, há quem saúde os 400 milhões de euros investidos pelo engenheiro Belmiro e aí deposite todas as esperanças e quem tema o fracasso de um promotor "guloso" que "dá passos maiores do que a perna" e pode "matar o negócio". No meio do verdadeiro estaleiro em que Tróia se transformou há quem só anseie vislumbrar o fim de três anos de obras, impregnados de pó, confusão e muita falta de informação. Uma coisa é certa, dizem visitantes e moradores: o sossego foi-se e o excesso de construção é "uma realidade que salta à vista".

Se José Soares acredita na mudança para melhor, Sandra, sua mulher, desconfia que os benefícios prometidos lhe digam directamente respeito. "O que está a nascer é para quem pode", atira, fun- damentando a teoria no aumento dos bilhetes de barco (cuja viagem de carro subiu de 5 para 9,5€), a deslocação do cais para a zona norte, os preços praticados no bar da praia e as muitas centenas de milhares de euros que custam as casas. O turismo possível para esta família de Setúbal, acompanhada dos primos emigrantes equipados com chapéus-de-sol, pranchas de bobyboard e kitsurf, fica-se pelo remodelado passadiço que conduz ao areal, os banhos na zona rio e o farnel trazido de casa. Na esplanada do 100 nós, o bar aberto há dias e de onde não se vê o mar devido à altura excessiva do parapeito, talvez consumam um café ou um gelado.

Quem trabalhou na Torralta sobreviveu às lutas laborais e acompanhou a sempre iminente falência da empresa, encara este novo fôlego com entusiasmo. Mas com cansaço também. Joaquim Pires, que se estreou em 71 no famoso Bico das Lulas e viveu os tempos mais conturbados como representante dos trabalhadores, está confiante, acredita que o projecto está em boas mãos. Menos animadas estão as colegas Lurdes e Josélia, empregadas de andares há mais de 20 anos e desejosas de trocar a limpeza das camas e dos tachos por um descanso merecido.

Críticas dos moradores

Do terraço da banda A, Ricardo Martinez também não avista grande optimismo. "Tenho visto tanta asneira...", desabafa, mirando a vista para a serra e o rio que a marina e o centro de congressos lhe roubaram. "Foi uma estupidez terem feito tudo ao mesmo tempo. Os disparates são mais que muitos", lamenta o dirigente da Associação Viver Tróia e morador no núcleo central. E dá exemplos: os montes de terra com quase dois metros de altura erguidos no meio do jardim infantil para evitar transformar o relvado num campo de futebol mas que tapam a visibilidade dos pais para as brincadeiras das crianças; as ruas esburacadas a toda a hora, a alteração constante dos acessos e do trânsito que bloqueia a saída; as areias do entulho das obras despejadas na praia e que trouxeram à areia fina pedaços de cimento e tijolo; a fila única para os carros que vão de barco pelo cais novo e que, em dias de maior confusão, traz até à estrada principal uma enchente capaz de dificultar o tráfego; ou as bicicletas que não podem ser transportadas no barco de passageiros e obrigam um pai a desmontar o veículo da criança ou a pedalar até ao cais da Atlantic Ferries.

"Somos os primeiros interessados em que isto corra bem. E há coisas que sabemos que têm mesmo de ser e exigem sofrimento e paciência. Por isso temos pedido informações à Sonae sobre o que vai acontecer. Mas não temos respostas", lamenta este professor de Setúbal que aqui comprou casa há dez anos e hoje se vê arredado de toda a tranquilidade. Sobre o futuro, Ricardo Martinez mostra descrença. "As pessoas vinham para cá porque é perto de Lisboa e era turismo de baixa densidade. Se for caro e confuso, vão para o Algarve."

À sua voz de protesto juntam-se outras, como as de três casais que há dias trocavam impressões na Praça das Quadras. "Quando aqui comprámos casa sabíamos que ia haver uma intervenção. Mas a vida não tem sido fácil. Não há nada para fazer, nem um lugar para beber um café ou comprar pão", afirma uma moradora, enquanto as crianças brincam no tapete de relva acabado de desenrolar. Havia estruturas a pensar nas famílias, piscinas, pizzarias, esplanadas e preços ajustados, dizem estes resistentes que, mesmo no meio do pó, arriscaram este Verão mais umas férias. Agora, "é esperar que esta travessia no deserto passe rápido", acrescenta o amigo, também da região.

A estratégia da Sonae, resumem-na assim: "Parar, destruir o que havia e voltar a abrir. Queriam fechar isto para que ninguém viesse cá nas obras. Esqueceram-se de que há pessoas que passam cá o Verão e vêm sempre que podem." O futuro permanece envolto em interrogações: "Não sabemos se vamos ter estacionamento, usufruir da piscina ou do ténis", dizem. "Porque não um cartão de residente?", atiram, deixando a proposta no ar.

As boas notícias da península são frescas e prendem-se com a protelada aspiração: o supermercado. No centro, o Tróia Market já abriu portas e diz quem lá comprou que a carne é excelente e a variedade, enorme, constatável pelas inúmeras qualidades de cogumelos expostas.

Contactada pelo DN, a Sonae Turismo garante que tem feito um esforço para "executar as obras sem causar grande incómodo, como se demonstra pelo facto de ainda não ter sido necessária qualquer interrupção nos abastecimentos de serviços públicos às bandas". Isso só tem sido possível, prossegue, "graças a uma meticulosa gestão das diversas fases de obra, nunca pondo em causa o acesso aos apartamentos como sugeriria tão vasta e complicada intervenção".

O que a Sonae considera um incómodo menor, Teresa, dona de um apartamento nas bandas, compara a um cenário de guerra. "Quando cheguei nos feriados de Junho até me ia dando uma coisa. Beirute tinha melhor aspecto", desabafa junto a um restaurante na Comporta, onde foi em busca de um sítio para almoçar.

Nessa aldeia a 14 quilómetros de Tróia, a que recorrem os moradores sempre que precisam de adquirir alguma coisa específica, o negócio não está tão bom como em verões anteriores. Talvez seja a crise, o tempo que não está famoso, ou a falta de gente que não veio por Tróia estar como está. Luís Serra, dono de um restaurante, está nesta aldeia há mais de 25 anos e alerta para o que pode vir quando, a seguir a Tróia, chegarem os milhares de turistas para se alojarem nos empreendimentos projectados para a região. Herdade da Comporta, Pinheirinho e Costa Terra são apenas alguns projectos que, nos próximos anos, trarão mais 12 a 14 mil camas turísticas a uma faixa de 40 quilómetros de costa que aqui começa. "Será que vai haver infra-estruturas para esta gente toda e para as pessoas que aqui vierem trabalhar?"

Carlos Beato, presidente da Câmara de Grândola, diz que sim. O autarca não esconde o entusiasmo que a inauguração de Tróia lhe causa. "Vai fazer toda a diferença nas expectativas de desenvolvimento que esta região tem há muitos anos." Na sua opinião, "Tróia é só o elo alavancador do que está para vir e que servirá de motor do próximo destino de excelência de Portugal: o litoral alentejano", acrescenta, recusando a expressão "turismo de massas". Aos moradores, o presidente da autarquia pede desculpas pelos transtornos, mas lembra que "não há bela sem senão". E sublinha os investimentos que a câmara, juntamente com o promotor, realizou: o posto da GNR, a recuperação do passadiço de acesso à praia, o novo posto de apoio à saúde ou a praia com bandeira azul.

As fases do empreendimento

Três anos após a implosão das duas torres da Torralta, e nesta primeira fase de arranque do Tróia Resort, abrirá ao público uma parte dos apartamentos junto à praia e duas das antigas torres, agora remodeladas e transformadas no Aqualuz Suite Hotel Apartamentos. A marina já está em funcionamento desde o início do mês e metade dos 365 apartamentos que estão a ser concluídos já está vendida. As moradias que estão incluídas na Unidade Operativa de Planeamento 2 ficarão concluídas no primeiro trimestre de 2009 e o projecto Ecoresort (do Grupo Pestana) não deverá arrancar antes de 2011. O centro de congressos, o hotel de cinco estrelas e o casino, geridos pelo Grupo Amorim, ainda não têm data anunciada para abrir ao público.

A Sonae Turismo garante que a todos os clientes que adquiriram apartamentos na marina foi dada a oportunidade de arrendar um lugar na marina. Mas uma pessoa contactada pelo DN afirma que reservou um apartamento há dois anos e acabou por desistir da compra, pois não lhe foi dada essa certeza. Além disso, o preço do aluguer foi considerado excessivo. "A tabela é alta, mais do dobro de Vilamoura e três vezes mais cara do que Cascais." Há dias, não chegavam a uma dúzia os barcos ali parados. Outra questão que não agradou a este potencial comprador foram as condições de aluguer, que, explica a Sonae, têm todas de ser acordadas com a entidade exploradora.

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