sábado, 26 de abril de 2008
A incontrolável praga
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Público, 26.04.2008
Noticiou o Expresso, no dia 19 de Abril, que foi detectado um novo foco da doença do nemátodo do pinheiro na zona de Arganil e que o Governo admite que a situação é "incontrolável". A par da gravidade da situação, que exige uma resposta certa e rápida por parte do Governo, é patente a gravidade do desconhecimento revelado pelas declarações do ministro da Agricultura. A afirmação primeira de que "os insecticidas para o nemátodo ainda não existem" e que os que eram usados "criam sérios problemas ambientais" é simplesmente extraordinária! Não só pela originalidade criativa da afirmação de que insecticidas que ainda não existem já causavam sérios problemas ambientais, mas também porque o ministro queria insecticidas contra o nemátodo que, por acaso, não é um insecto...
O ministro Jaime Silva continua a sua dissertação dando o exemplo do Canadá. Explica que "eles já chegaram à conclusão de que não podem fazer nada, vão esperar que as árvores desenvolvam uma autodefesa, só que isso pode levar anos". Mais uma vez o ministro errou no tempo. Na verdade, o nemátodo do pinheiro é um organismo que ocorre naturalmente na América do Norte (Estados Unidos e Canadá), não sendo considerado um agente patogénico primário nas espécies de pinheiros daquele continente, que naturalmente são de alguma forma resistentes à doença com a qual evoluíram. Não faz por isso qualquer sentido que se compare a situação da América do Norte, onde o nemátodo é nativo, com a de outras regiões, como na China e no Japão, e agora em Portugal, onde a sua introdução ameaça muitas espécies de pinheiros não-resistentes, como o nosso pinheiro-bravo...
Mas a lição continua: o ministro sabe o alcance da calamidade, mas confessa que não tem solução para o problema: "Temos de nos habituar a este tipo de pragas que vieram para ficar". E explica que as alterações climáticas as estão a trazer do Norte de África, quando antes não atravessavam o Mediterrâneo. Para além de não saber a diferença entre uma praga e uma doença (a mesma que existe entre um insecto e um nemátodo), os percursos na geografia estão igualmente errados. As causas da dispersão do nemátodo entre continentes seriam afinal as das alterações climáticas, que teriam levado o nemátodo a atravessar o Mediterrâneo vindo do Norte de África, onde por acaso nunca foi identificado...
De acordo com a nova teoria biogeográfica do ministro, não fariam qualquer sentido todas as acções da Comunidade Europeia que desde 1990 restringiu, por causa do nemátodo, a importação de madeira não-tratada dos Estados Unidos e do Canadá. Nem todos os esforços no sentido da fiscalização fitossanitária da madeira importada de outros países. Jaime Silva veio finalmente demonstrar que estão todos errados. Todo o extraordinário trabalho e os correspondentes custos realizados por Portugal sob a decisão da Comissão Europeia de criação no início de 2007 de uma faixa de contenção fitossanitária de mais de 400 quilómetros de comprimento e três quilómetros de largura, todo o esforço exigido a técnicos, todos os custos suportados por proprietários e pela sociedade em geral no processo de erradicação do nemátodo eram de facto, segundo a lógica do ministro, desnecessários. O aparecimento de um novo foco leva imediatamente à conclusão de uma situação "incontrolável". Afinal, são tudo consequências das alterações climáticas a que nos temos de habituar...
E nem a posterior intervenção do secretário de Estado Ascenso Simões, ao repor alguma razoabilidade neste processo indicando as áreas atingidas e as acções a desenvolver pelos proprietários e pelo Estado para o controlo da situação, consegue anular as consequências das incontroladas declarações do ministro...
Mas todas estas exuberantes demonstrações de desconhecimento por parte do ministro estão, infelizmente, na sequência lógica das posições que se esforçou por veicular na opinião pública e na Assembleia da República de que, sobre a questão do nemátodo, não teria tido durante muito tempo outra informação senão "rumores". E mesmo depois das alterações que "por isso" promoveu na Direcção-Geral dos Recursos Florestais, não fez sequer com que os trabalhos de rotina de erradicação na zona afectada tivessem sido efectuados em 2008. É um assunto que decididamente o ministro não quer conhecer, o que naturalmente não o inibe de prestar aos jornalistas as informações que desconhece...
Tenho a certeza de que, como país florestal com uma importantíssima fileira associada ao pinheiro-bravo, não podemos evidentemente aceitar a irresponsável displicência do ministro, nem o Governo nem a Europa a poderão seguramente aceitar.
Mas será mesmo que nos teremos de habituar a esta "incontrolável praga" ou será que, com sorte, as alterações climáticas a levarão rapidamente mais para norte? Não falo, obviamente, do nemátodo, que não é uma praga...
Francisco Castro Rego, Ex-director-geral dos Recursos Florestais
Público, 26.04.2008
Noticiou o Expresso, no dia 19 de Abril, que foi detectado um novo foco da doença do nemátodo do pinheiro na zona de Arganil e que o Governo admite que a situação é "incontrolável". A par da gravidade da situação, que exige uma resposta certa e rápida por parte do Governo, é patente a gravidade do desconhecimento revelado pelas declarações do ministro da Agricultura. A afirmação primeira de que "os insecticidas para o nemátodo ainda não existem" e que os que eram usados "criam sérios problemas ambientais" é simplesmente extraordinária! Não só pela originalidade criativa da afirmação de que insecticidas que ainda não existem já causavam sérios problemas ambientais, mas também porque o ministro queria insecticidas contra o nemátodo que, por acaso, não é um insecto...
O ministro Jaime Silva continua a sua dissertação dando o exemplo do Canadá. Explica que "eles já chegaram à conclusão de que não podem fazer nada, vão esperar que as árvores desenvolvam uma autodefesa, só que isso pode levar anos". Mais uma vez o ministro errou no tempo. Na verdade, o nemátodo do pinheiro é um organismo que ocorre naturalmente na América do Norte (Estados Unidos e Canadá), não sendo considerado um agente patogénico primário nas espécies de pinheiros daquele continente, que naturalmente são de alguma forma resistentes à doença com a qual evoluíram. Não faz por isso qualquer sentido que se compare a situação da América do Norte, onde o nemátodo é nativo, com a de outras regiões, como na China e no Japão, e agora em Portugal, onde a sua introdução ameaça muitas espécies de pinheiros não-resistentes, como o nosso pinheiro-bravo...
Mas a lição continua: o ministro sabe o alcance da calamidade, mas confessa que não tem solução para o problema: "Temos de nos habituar a este tipo de pragas que vieram para ficar". E explica que as alterações climáticas as estão a trazer do Norte de África, quando antes não atravessavam o Mediterrâneo. Para além de não saber a diferença entre uma praga e uma doença (a mesma que existe entre um insecto e um nemátodo), os percursos na geografia estão igualmente errados. As causas da dispersão do nemátodo entre continentes seriam afinal as das alterações climáticas, que teriam levado o nemátodo a atravessar o Mediterrâneo vindo do Norte de África, onde por acaso nunca foi identificado...
De acordo com a nova teoria biogeográfica do ministro, não fariam qualquer sentido todas as acções da Comunidade Europeia que desde 1990 restringiu, por causa do nemátodo, a importação de madeira não-tratada dos Estados Unidos e do Canadá. Nem todos os esforços no sentido da fiscalização fitossanitária da madeira importada de outros países. Jaime Silva veio finalmente demonstrar que estão todos errados. Todo o extraordinário trabalho e os correspondentes custos realizados por Portugal sob a decisão da Comissão Europeia de criação no início de 2007 de uma faixa de contenção fitossanitária de mais de 400 quilómetros de comprimento e três quilómetros de largura, todo o esforço exigido a técnicos, todos os custos suportados por proprietários e pela sociedade em geral no processo de erradicação do nemátodo eram de facto, segundo a lógica do ministro, desnecessários. O aparecimento de um novo foco leva imediatamente à conclusão de uma situação "incontrolável". Afinal, são tudo consequências das alterações climáticas a que nos temos de habituar...
E nem a posterior intervenção do secretário de Estado Ascenso Simões, ao repor alguma razoabilidade neste processo indicando as áreas atingidas e as acções a desenvolver pelos proprietários e pelo Estado para o controlo da situação, consegue anular as consequências das incontroladas declarações do ministro...
Mas todas estas exuberantes demonstrações de desconhecimento por parte do ministro estão, infelizmente, na sequência lógica das posições que se esforçou por veicular na opinião pública e na Assembleia da República de que, sobre a questão do nemátodo, não teria tido durante muito tempo outra informação senão "rumores". E mesmo depois das alterações que "por isso" promoveu na Direcção-Geral dos Recursos Florestais, não fez sequer com que os trabalhos de rotina de erradicação na zona afectada tivessem sido efectuados em 2008. É um assunto que decididamente o ministro não quer conhecer, o que naturalmente não o inibe de prestar aos jornalistas as informações que desconhece...
Tenho a certeza de que, como país florestal com uma importantíssima fileira associada ao pinheiro-bravo, não podemos evidentemente aceitar a irresponsável displicência do ministro, nem o Governo nem a Europa a poderão seguramente aceitar.
Mas será mesmo que nos teremos de habituar a esta "incontrolável praga" ou será que, com sorte, as alterações climáticas a levarão rapidamente mais para norte? Não falo, obviamente, do nemátodo, que não é uma praga...
Francisco Castro Rego, Ex-director-geral dos Recursos Florestais
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